sexta-feira, 29 de abril de 2011

Saúde Pública

“O Bloco B”
Nos últimos dois anos, tenho acompanhado minha mãe (diabética) em suas consultas no Hospital geral de Macapá. Podia levá-la a uma unidade particular, mas entendemos que já pagamos muito caro para se ter, no mínimo, um atendimento razoável e temos que fazer valer nossos direitos.
Enquanto escrevia estas linhas fiquei observando as atrocidades que ocorrem nos corredores do “Bloco B”.
Bem piores que minha mãe (que tem filhos pra acompanhá-la, vem de carro e tem um ou dois reais para comprar uma água mineral), estão muitas pessoas de idade bem avançada, com seus movimentos físicos comprometidos, apoiados em pedaços de madeira (aquilo não é bengala); tímidos, na hora de pedir uma informação e com um desejo  de ser bem atendido estampado nos olhos. 
Não sei que tratamento recebem no consultório, mas nos corredores do “Bloco B”, a situação é humilhante.
Enquanto aquelas pessoas, que trabalharam e contribuíram a vida inteira para com este estado, imploravam por um tratamento digno, hora e outra pessoas de jaleco branco saíam dos consultórios, paravam diante dos pacientes, alheios a todo aquele sofrimento e comentavam o capítulo da novela da noite anterior, ou quem foi eliminado do Big Brother, eliminando o último fio de esperança daquela gente de receber a notícia de que seu médico chegou (pelo menos isso).
Os homens e mulheres de  branco parecem anestesiados pela falta de condições de trabalho, pelo baixo salário e pela falta de humanidade. Se contassem uma piada para aquelas senhoras, senhores e crianças, sedentas por atenção, fariam coisa melhor que preencher fichas e fingir que nada está acontecendo por ali.
Tentei falar do atendimento, mas desistir. Nos corredores do “Bloco B” não há atendimento!!
Lembrei, então, de quando era menino, no interior do Pará e alguém me prometia um presente pelo natal – cada vez que alguém batia à porta meu semblante mudava e a esperança de receber o tal presente, quase se materializava em meus olhos. Liguei esta situação a situação daquelas pessoas nos corredores do Hospital Geral.
 O ruído de uma porta se abrindo tornara-se o sinal pro mais perfeito sincronismo de cabeças em busca de um simples olhar complacente. Em cada porta aberta pelos funcionários daquela unidade de saúde, era visível o brilho nos olhos sofridos daquela gente maltratada. Parecia coreografado o movimento das cabeças ao menor ruído de uma porta se abrindo – ansiedade pelo atendimento.
 É impressionante como aqueles “pacientes” imploram por uma resposta, uma informação, um gesto gentil, tipo: “Querido (a)!! Seu médico já está chegando. O Senhor(a) aceita um copo d’água?! Dizem isto sem proferir uma só palavra. Só não entende quem não tem o mínimo de sensibilidade .
Estes absurdos do “Bloco B” me remeteram imediatamente à Pet shop, onde minha namorada leva seu cãozinho. Lá, logo na chegada, alguém pega o animal, examina-o e leva-o para o Box de higiene, enquanto o dono se delicia com um gostoso café.
Aqueles coitados contribuintes do estado “têm menos direitos que um cachorro”. Tive a impressão que alguns funcionários estão ali obrigados, sem o mínimo de vontade de exercer um ofício tão importante e, muito menos, vocação para o serviço público.
Na Pet shop um animal leva, no mínimo, três horas para tomar um banho. Não sei  o que acontece no consultório, mas na fila, nenhum cachorro ganha dos pacientes: a espera chega a quatro horas.
Não sei o que vai acontecer se mandarmos nossos pacientes para a Pet shop! Mas, se mandarmos nossos cachorros para o “Bloco B” do Hospital Geral de Macapá, eles irão se sentir muito mal!!!!

                                        Professor Lobão 
                                     Macapá, 12 de abril de 2010
lobaonaoemau@hotmail.com

Escola Analógica

Escola analógica

Esta semana iniciei, com meus alunos do nono ano, os trabalhos de leitura. Durante o semestre, eles são orientados a ler dois romances. Atividades quase impossível para meninos e meninas  habitados a  outro gênero textual.
Enquanto explicava como será a dinâmica do trabalho com os romances, fui interpelado por um aluno, que parecia ser o porta voz da turma, com a seguinte pergunta: “Professor, eu posso assistir a um filme com o mesmo título do romance? – ele se referia a um desse romances adaptados ao cinema: Romeu e Julieta, O Senhor dos Anéis, Crepúsculo, Lua Nova, dentre outros.
De imediato e automaticamente, meio que conduzido pelo aprendizado acadêmico, muitas vezes dissociados do mundo real e sem coragem de se  contrapor as regras desatualizadas do ensino, respondi: Não! Não é a mesma coisa!!! O livro é melhor e contém  detalhes que vocês jamais perceberão no filme.
 Com essa resposta seguida de uma série de argumentos, vi a turma murchar diante da empreitada a que era  submetida. Claro que há exceções e alguns alunos preferiram ler mesmo um livro.
Já em casa, avaliando meu trabalho diário e semanal, comecei a pensar naquela situação ocorrida em sala de aula.
Aquele garoto, com seu jeito particular de ser, me disse que é preciso acompanhar a evolução das coisas. Com cuidado, mas é preciso acompanhar.
Associei isso às inúmeras técnicas e recurso didáticos e pedagógicos que podem ser usados na educação e nós nos recusamos a utilizar pelo simples fato de não termos sido educados com estes recursos. Fiquei pensando na pergunta daquele aluno.
Há quinze anos tive contato, em Belém, com o quadro digital. Fiquei impressionado e falei isso na escola que trabalhava: fui ridicularizado.
Também pudera, ainda estávamos na era do cuspo e giz. Mas hoje, em pleno século vinte e um, tempos modernos dos celulares minúsculos (ou maiúsculos - o bonito é relativo e o moderno é cópia do passado), da TV digital, da internet, e de tantas outras modernidades para facilitar a vida do homem, ainda damos respostas como a que dei ao meu aluno e carregadas de argumentos.
Ora!! Se um dos objetivos da escola é informar, temos que facilitar a chegada dessas informações aos nossos meninos. Digo isso, porque não mais me admitirei, diante de tantas tecnologias, que podem facilitar o acesso de meus alunos às boas leituras, insistir que eles leiam como meus avós, meus pais e como eu mesmo fui introduzido na leitura.
Leitura não é exatamente a decodificação de um texto impresso nos livros didáticos ou em outro tipo de papel. A leitura vai muito além disso. Ler é o poder de compreensão que um cidadão pode ter, da rua onde mora, de seu bairro, de sua cidade, da situação política de seu país e de sua participação para o bem ou para o mal, em sua sociedade.
Há muito tempo atrás a leitura era feita em textos extraídos das paredes das cavernas, depois do papiro e foi evoluindo até chegar ao papel. Neste caso temos uma prova da evolução da escrita e consequentemente da leitura.
Assim, sinto-me envergonhado pela resposta que dei ao meu aluno. Se quero que meu aluno tenha contato com outros textos que não sejam as besteiras impressas em letras medíocre de algumas músicas, dos reality shows da vida, dos programas de auditórios do domingo e das receitas de comida, que a televisão os apresenta todas as manhãs, preciso lançar mão dos recursos que chamem atenção dos alunos e, que certamente, facilitarão o entrosamento entre o educando e a obra.
Diante de tanta ferramenta tecnológica, insistimos nas antigas ferramentas menos atraentes e que só distanciam os alunos das grandes obras. É verdade que o filme não contém todos os detalhes  da obra escrita, mas não foge da essência.
Hoje, quando a escola sofre um verdadeiro bombardeio de influências negativas, ficamos entrincheirados, como dizia meu irmão: “fazendo guerra de baladeira” e virando as costas para armas mais modernas e eficientes. A escola não pode se encolher ou se recusar a usar o que puder de mecanismos modernos para atrair seus alunos e levá-los ao contato dos mais variados tipos de leitura. Como disse anteriormente, a leitura não está apenas nos livros e não deve ser confundida com decodificação de signos gráficos.
Se o aluno terá contato com a história, se ele ficará informado assistindo a um filme na TV , no cinema ou em seu aparelho e DVD, por que não aceitar que ele busque sua própria forma de ler; por que não permitir que ele faça a leitura da forma que  lhe pareça mais agradável.
Penso, que se não se perde a essência devemos, mais que indicar a obra, incentivá-los a buscar o melhor recurso para que, de uma forma ou de outra, esses meninos tenham conhecimentos de nossas obras literárias. Temos que fazer da tecnologia uma aliada e não uma adversária. Pois se optarmos por fazê-la adversária, na certa sairemos derrotados: Não dá pra ganhar do mundo que tem quase tudo digital, armados de quadro e pincel (nossas mais modernas armas). É muito difícil ganharmos uma luta no mundo digital, munidos de armas totalmente analógicas.

Macapá, 05 de março de 2011
Prof. Lobão









domingo, 17 de abril de 2011

O Poder da Palavra de Deus (da série contos Urbanos)

O Poder da Palavra de Deus

Era uma bela manhã de sol. Antes do final daquela missa de cinzas, o Padre havia convidado os fiéis para a carreata em homenagem à Santa Padroeira do lugar, que seria realizada no fim do ano – ainda era fevereiro.
 E foi quando o povo ainda saía da igreja que aquele homem, vestido em uma espécie de jaleco bem surrado, calça nas mesmas condições, chinelo de dedo e um boné com propaganda de uma concessionária, chamou a atenção de todos, em alto e bom som, dizendo: “Preparai os caminhos. O tempo está próximo. Endireitai as veredas. Todos os vales devem ser aplainados!!!  Antes de qualquer procissão, antes de qualquer carreata, pensai nisso! Não sou Padre nem Pastor, mas trago-lhes a Boa-Nova!!! Preparai os caminhos!!!
Todos que o ouviram, por um instante e durante tempo depois, ficaram perplexos. Como um homem tão simples poderia proferir palavras tão sábias. Como teve coragem para dizer aquilo na frente da igreja e após o convite do Padre?
A verdade é que a partir daquele dia, o comportamento dos fiéis católicos e de outras igrejas nunca mais foi o mesmo. Passaram a pensar mais sobre as palavras daquele profeta contemporâneo, com aparência de um antigo hebreu.
Depois daquele eloquente discurso, o sábio homem passou, quando interpelado sobre sua nobre e única pregação, a responder o seguinte: Quem quiser conhecer a verdade, a boa-nova de meu Pai, precisa seguir meus passos. Não caminhem por trilhas estranhas. Não busquem os atalhos, pois o que tenho para mostrar é o paraíso. Nessa terra prometida, de caminhos aplainados, ninguém precisará de um atalho. Caminhar será mais importante!
Com essas palavras, o número de seguidores aumentava. Vinham pessoas de todas as partes, de todas as religiões em busca das palavras daquele homem, que não falava muito, mas quando falava, fazia o povo pensar, imaginar a boa-nova por ele anunciada.
Famílias inteiras mudaram seus comportamentos, as escolas buscaram novas metodologias, as igrejas mudaram suas filosofias e todos passaram a cobrar mudanças do governo, pois aquelas palavras (endireitai as veredas e aplainai os vales) fizeram o povo pensar e se organizar para cobrar dos líderes políticos, religiosos e outras autoridades, aquilo que o próprio Cristo pregou: “Vida. E vida em plenitude”.
Parece que aquele profeta contemporâneo trazia para o Século XXI, as reflexões propostas por Jesus há mais de dois mil anos. Havia até aqueles o chamavam de O Novo Messias.
E assim, com base na coragem, nas palavras e no tom seguro de proferir passagens bíblicas daquele homem desconhecido, profundo conhecedor das palavras de Jesus, ou de João (como muitos diziam), a cidade se transformou.
Em menos de um ano, novas escolas foram construídas, o mercado foi reformado, a companhia de energia elétrica melhorou o serviço, novas empresas telefônicas instalaram-se no município, abriram-se novas lojas e supermercados; praças e novos hospitais foram construídos e as ruas, que eram de chão batido, foram todas asfaltadas.
Enquanto a cidade se transformava, enquanto as pessoas mudavam e melhoravam suas vidas, tanto econômica quanto moral e espiritualmente, aquele homem continuava sua pregação nas praças e portas de igrejas, sempre com as mesmas palavras, ou quase as mesmas, de vez em quando, outra breve citação.
Quando se aproximou o dia da carreata anunciada pelo Padre, o “Profeta” apareceu na praça da igreja e disse (sempre em alto e bom som, mas com a peculiar serenidade de um sábio): “O dia em que todos se sentirão felizes ao caminhar está próximo! Neste dia ninguém se importará com a distância, pois assim como o Pai me enviou, pelos planos caminhos, eu vos enviarei”.
Sabendo que se tratava do dia da carreata, católicos, evangélicos, Testemunhas de Jeová, adventistas, espíritas, macumbeiros, candomblé e muitos outros seguimentos religiosos organizaram-se pra seguir a carreata. Pois era certo que naquele dia, aquele homem com aparência de um profeta, que falava de um pai, tal qual Cristo falou, faria a grande revelação. Revelaria a boa-nova.
E assim, a cidade viveu dias de expectativa, apreensão, angústia, esperança e ansiedade. O Padre, o Pastor, os Político e os Empresários locais viviam um misto de sentimentos.
Se mesmo antes da revelação, as palavras daquele homem já haviam feito uma revolução no lugar, não sabiam o que pensar e nem o que dizer a seus comandados, após a tal revelação.
Quando a procissão, organizada pela igreja Católica chegou ao final, em cima do capô de um carro, o tal profeta ficou de pé, com sua habitual serenidade, agora de posse de um microfone, que um desses políticos sensacionalista lhe providenciou (mas não precisava, pois as pessoas iriam escutá-lo no mais absoluto silêncio), ele levantou os olhos, fitou a multidão e disse: “Vejo que nesta cidade, não há mais criança sem escola, sem lazer e sem direito a vida. As autoridades estão cuidando das coisas de Cezar. Os líderes religiosos cuidando das obras que são de Deus. Eu também cuido das coisas de meu Pai. A mais importante das mudanças foi feita em suas vidas e nesta cidade. Por isso, o Pai me ordenou anunciar-lhes a boa-nova.
Os vales foram aplainados, as veredas foram endireitadas e os governantes prepararam os caminhos. Agora, todos vós podeis compreender que caminhar em ruas pavimentadas é mais prazeroso. Com as ruas esburacadas, como estavam, jamais, meu pai lhes traria a boa-nova. Era preciso preparar o caminho!!!
E continuou: Bem-Aventurados os pacientes, pois estes terão a recompensa da espera! É principalmente a estes que trago a boa-nova de meu pai: Hoje, com as ruas aplainadas, asfaltadas, meu pai (tirou o boné e mostrou as inscrições à multidão) proprietário da MOTRIX CAR, implantará neste município, uma filial de sua empresa de transporte e turismo. Este empreendimento vai gerar três mil empregos diretos e mais de quatro mil indiretos. E finalizou: “Tudo posso naquele que me fortalece!”



Macapá, 14 de abril de 2011
     Lobaonaoemau.blogspot.com                 
Professor Lobão

domingo, 3 de abril de 2011

Consultas ou Insultos (da série Vigia sem Vigia)

Consultas ou insultos

Não me lembro bem o dia, mas a pedido de um velho amigo, fui ao posto de saúde de Vigia de Nazaré, no nordeste do Pará.
Em menos de duas horas naquela unidade de saúde, onde pessoas vão na esperança de serem bem recebidas, tive a infelicidade de presenciar o descaso das autoridades com a saúde pública daquele município. O pior é que as pessoas já nem reclamam do péssimo atendimento. Talvez para não perderem tempo ou por não terem visto coisa melhor.
Meu amigo chegou com dois tiros na perna e não recebeu, sequer, um olhar de acolhida. Menos de um minuto depois, um fiorino-baú chegou trazendo um jovem desmaiado (epilético) e nem ao menos um auxiliar de enfermagem para recebê-lo.
Já no interior do "hospital" encontrei outros amigos: uns funcionários, outros pacientes. Entre os pacientes estava Orlando (ator), que parecia estar fazendo teatro, pois sua consulta demorou um pouco mais de um minuto - logo percebi que seu tempo de consulta estava dentro da média.
Diante do tempo de consulta de meu amigo-paciente, resolvi cronometrar as outras consultas e constatei que meu amigo, realmente, não estava fazendo teatro, pois o paciente que mais teve a atenção do médico que consultava, permaneceu no consultório dois minutos e quarenta e um segundos, e o mais desprovido de sorte, permaneceu na consulta quarenta segundos e vinte e um centésimos. Não sei se era eficiência ou deficiência no atendimento - fiquei atônito.
Tudo isso me remeteu ao serviço de auto-lavagem, onde lavo minha moto em Macapá. Lá, logo na recepção, alguém toma as chaves do veículo, estaciona e lhe serve suco ou café. Eu e minha moto somos muito bem tratados. Se eu pudesse compará-la a uma pessoa, diria que tem mais sorte que os "vigienses de Nazaré".
Moro no estado do Amapá há doze anos e percebi que nesse período Vigia cresceu, atingiu a maior idade e mudou de nome - é um direito seu. Pelo menos isso, já que o descaso e a incompetência lhes negam, entre outros, o direito à saúde.
Ainda bem que agora é Vigia de Nazaré, do carnaval e da fé. Então, sigamos com fé, pois a saúde pública já falhou e como disse Gilberto Gil: A fé não costuma falhar.
Ah! Ia esquecendo! A moto, só para tomar um banho, leva um pouco mais que duas horas e é apenas uma máquina sem alma, sem rosto, sem sentimentos.
                                                                                                        Professor Lobão em 05/11/2009