Vigia do Círio
O círio de Vigia (a exemplo muitos vigienses ainda não me acostumei com Vigia de Nazaré) apresenta muitos personagens tradicionais e conhecidos pelos visitantes. Porém, alguns elementos, oriundos da modernidade, também aparecem no cenário da festividade. Muitos desses elementos são tão novos a ponto de assustar os mais acostumados com aquela vigia que não existe mais.
Há 20 anos não “passo” o Círio em Vigia. Por isso, tirei licença de meu trabalho só para saber se o povo de minha terra ainda vive o clima contagiante que vivi quando morei por aqui.
No início de agosto, saindo das férias escolares, o povo vigilengo mergulha nas procissões de Nossa Senhora das Neves, prepara-se para as comemorações da semana da Pátria e jogos estudantis, enquanto se aproxima o dia da grande romaria. Como diria Luciano, apresentador do caldeirão: loucura, loucura, loucura!!!!
Quando se aproxima o mês do círio, as pessoas daqui constroem, pintam, reformam e mobíliam as casas para impressionar os romeiros que, na maioria, são parentes e amigos. A indústria da construção civil é quem mais vende nesse período abençoado por Nossa Senhora.
No que diz respeito à culinária, a partir do dia 20 de agosto já é possível sentir o aroma da maniçoba que exala dos caldeirões em ebulição, na maioria das casas anfitriãs do Círio. Na feira da cidade, a tapioca, o pato e o tucupi já batem o Record de vendas.
Nos dias mais próximos do Círio, os políticos locais também aproveitam para inaugurar algumas obras – muitas delas inacabadas – tentando, assim, conquistar votos daqueles vigienses que não moram por aqui e não sabem a real situação política do município.
Nesse período, o movimento no terminal rodoviário é dez vezes maior que em outra época do ano. Vigia vira outra cidade.
Das pessoas que nos visitam por conta do círio, muitas vêm a negócio, outras apenas para as festas (que não são poucas). Há quem venha para visitar nossos balneários e ainda há aquelas que realmente vêm por devoção à Nossa Santa Mãe.
Com tantas pessoas chegando, procedentes não se sabe de onde, de precedentes desconhecidos, chegam também os novos e assustadores personagens e eventos deste novo município: assaltos, roubos, venda de drogas, prostituição, violência, exploração do trabalho infantil e a falta de espaços para pedestres, ciclistas e automóveis. A cidade fica pequena.
Os mais visíveis personagens que antecedem o círio são os “Homens de Preto” nas portas dos estabelecimentos comerciais - Seguranças, que há um mês antes da grande festa, já estão apostos: reflexo da falta de preparo do poder público para uma das maiores festas populares e religiosas do Pará.
Durante as peregrinações, devemos rezar para que os eventos negativos não ofusquem o brilho de nossa romaria. E que os novos personagens do círio não tenham tanto trabalho.
O que mais me preocupa é o medo estampado no rosto dos vigienses neste tempo que devia ser apenas de exercício de fé e devoção.
O círio de Vigia já foi mais religioso. Hoje, não se tem a medida exata do que é religioso e do que é comercial. Lembro com saudade do tempo em que antes do círio só havia a festa na quadra do Bertoldo – e alguns católicos mais fervorosos ainda reclamavam.
Nesses tempos idos, a maior preocupação dos vigienses era com a pintura das casas. Hoje, é com os cadeados, grades e fechaduras.
Não quero parecer saudosista, mas sinto falta do círio das barquinhas, do velho dangue e das banquinhas de rabuçado no arraial.
Em Vigia festa é assim: uma grande e homogênea mistura: Tanto faz ser Círio ou carnaval. Tem problemas? Tem. Mas nada que o próximo Círio ou carnaval não façam o povo esquecer.
Professor Lobão