sexta-feira, 10 de junho de 2011

Língua Portuguesa

A Língua é a Regra, a Gramática a Exceção

Uma das primeiras bobagens que ouço falar quando o assunto é Língua, é que Latim é uma Língua morta.
Se pensarmos que assim como o falante, a Língua é viva, é provável que um dia ela morra. Porém, a Língua não é gente. Não ama, não pensa, “não tem identidade”. Portanto, não tentemos encarcerá-la nas gramáticas normativas da vida! Ela é um instrumento, por vezes, artístico do falante que ama, sente e que a usa para identificar-se.
 A Língua não morre! Como toda arte, se transforma – eu desafio quem me aponte algo com tamanho poder de mutação. A língua, seja ela qual for, é um produto e faz produto de quem dela se utiliza.
Dizer que o Latim, esta ou aquela língua é morta, é ignorar a evolução, as mudanças geográficas, econômicas e todas as outras diferenças de local, tempo e comportamento que determinam as modificações e jamais a morte de uma Língua. Sendo assim, não podemos tentar criar uma bitola para dar uma única forma às falas deste ou daquele povo, desta ou daquela classe social.
Não quero aqui e nem devo repetir o que dizem, com tanta propriedade, os linguistas, pois já conhecemos seus ricos argumentos. Quero nestas observações fazer um convite a uma reflexão acerca dos elementos determinantes para O Gostar ou não do estudo da Língua em nossas Escolas; fazer um convite à revisão de práticas que contribuem para nossos alunos afastarem-se sempre mais do estudo de nossa Língua, sob o argumento de que é muito complicada.
Na escola ainda é constante o ensino da gramática (e não a análise da Língua Portuguesa), da estrutura do texto, da frase, da palavra e até da sílaba. É este tipo de escola que dificulta o entendimento da Língua Portuguesa, pois a gramática é um cárcere para a língua que, assim como seu usuário, nasce livre. Daí dizermos que devemos educar para a adequada utilização da língua e não ensinar a falar.
Desde que começamos na escola somos bombardeados com intermináveis regras gramaticais. Aí, nos esforçamos, estudamos e “aprendemos”. Até que um dia, por uma questão política ou econômica, deputados que pouco entendem de linguagem, aprovam as mudanças ortográficas. E aí, tudo que “aprendemos” e “ensinamos”, temos que desaprender e desensinar.
Como já foi mencionado, a gramática pode ser modificada por acertos (ou desacertos) políticos ou econômicos e ainda por decreto. Chega a ser imposta e tal imposição se dá na escola – maior complexo democrático de um país.
A linguagem ninguém consegue dominar, prender ou apropriar-se dela. Ela é livre e segue apenas a regra de comunicar.
Não é necessário fazermos nenhuma pesquisa aprofundada entre os falantes de nossa Língua, para detectarmos que a maioria de seus usuários não precisa saber o que é uma oração subordinada, núcleo do sujeito ou sua classificação; objeto direto, predicativo do objeto e muito menos saber o que é dígrafo, hiato ou tritongo para se comunicar por escrito ou verbalmente.
Como já sabemos, o uso da Língua e/ou da Linguagem é um processo natural seja no campo ou na cidade, por um gramático ou por um linguista, por um piloto de avião ou por um caboclo...
Não estou querendo (e não seria irresponsável querer) que abandonemos a gramática ou as gramáticas (há várias e dos mais variados autores), pois elas são resultados de anos de pesquisa para nos auxiliar no uso da Língua (e somente para isto).
O fato intrigante é que os defensores do uso das regras gramaticais, independentemente do local, hora e contexto, por muitas vezes, divergem entre si, deixando professores e principalmente alunos mergulhados num imenso mar de dúvidas.  Isso acontece porque tudo que é fabricado traz na sua essência as marcas particulares de seu fabricante.
Há quem diga que o mesmo ocorre com a Linguagem e aponta as “particularidades” do regionalismo. Acontece que neste caso, a “particularidade” é coletiva, de um determinado grupo e só a este grupo serve. Além do mais, não se torna uma imposição a um país inteiro!
Recentemente presenciei uma conversa entre dois professores que discutiam sobre a pronúncia e grafia de uma determinada palavra. Tentei ajudar mostrando à professora de Língua Portuguesa (defensora da gramática) que na palavra MUITO não aparece nenhum acento nasalizador e muito menos N antes do T que possa obrigar a pronúncia nasalizada. Este é mais um caso ignorado pelos gramáticos, pelo simples fato de a Gramática não acompanhar a velocidade das mudanças da Língua. Ainda assim, nenhum gramático teve a hombridade de orientar para a vocalização da palavra. Parece-me que quando eles não têm como explicar suas exceções, fingem que não veem.
É urgente uma reformulação na metodologia do “ensino” da Língua Portuguesa em nossas Escolas. É necessário um olhar diferente para o modo de como devemos abordá-la. Se assim fizermos, estaremos minimizando a distância entre ensino da gramática e uso adequado da Língua.
Às vezes, por comodismo, medo ou falta de comprometimento, deixamos de passar informações importantíssimas aos nossos alunos, contribuindo para o retardo de seu aprendizado, pois, essa nossa falta de ação diante de algumas regras já ultrapassadas da gramática, levarão nossos alunos, num futuro bem próximo, a constatar nossa omissão.
Poderia citar inúmeros exemplos de regras que “aprendemos” e passamos aos nossos alunos sem nos dar o direito de pensar sobre a razão, aplicabilidade ou lógica. Aí, quando um aluno pergunta, cabe-nos o desconversar ou apresentar justificativas sem nenhum fundamento, contribuindo, assim, para a continuidade do ciclo de perguntas sem respostas e regras sem lógica.
Para finalizar, deixem-me apresentar apenas um exemplo: “O H é a única letra do alfabeto que não representa nenhum fonema”. Então o que dizer das palavras: chapéu, canhão e telha, por exemplo? Se o H não representa som algum, essas palavras seriam lidas assim: capéu, canão e tela. As letras C e L não precisariam dele (H) para representar outro som.
Aqui é possível perceber o quanto somos passivos e coniventes com a complicação no “ensino” de nossa própria Língua. Se essa letra não representa som, como pode ela modificar tanto as pronúncias de inúmeras palavras de nosso idioma.
Esta de dizer que não há fonema no H vem sendo transmitido de geração para geração (como nos disseram os professores de Geografia ao falarem do ponto extremo do Norte do Brasil – que nunca foi Oiapoque). Mas parece-me que, ignorando a linguagem, só vão falar do som do H, obrigados por decreto ou por força de algum acordo econômico.
O que temos que tratar nas Escolas é como utilizar adequadamente a Língua, apenas isto. Não podemos ser prepotentes a ponto de querer ensinar a Língua para o povo dela nativo. Isso, no mínimo, seria absurdo!

Macapá, 28 de maio de 2011.
Professor Lobão
lobaonaoemau.blogspot.com


Um comentário:

  1. Oi, amigo!Seu comentário é muito pertinente (como sempre). Sempre busco mostrar as minhas crianças que diferente do que pensam sobre a nossa língua, ou melhor sobre a matéria Português ("não sei português", "não consigo aprender português"), o papel delas na escola não é aprender português, e sim conhecer como adequar sua comunicação nas diversas situações que se encontrarem, pois são seres sociais.

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